Uma empresa de hotelaria (hotel e restaurante) quer, por ocasião do Natal, oferecer presentes aos clientes mais especiais e colaboradores. A nível geral e particular, há um limite para cada tipo de ofertas? Como são contabilizadas?
As ofertas para clientes podem passar por garrafas de vinho, chocolates, canetas, agendas ou outros artigos do género. Relativamente aos colaboradores poderá passar por cabazes ou numerário. Para os colaboradores, como é feito o tratamento contabilístico e fiscal, tendo em conta o IRS, Segurança Social. Em sede de IRC, qual o tratamento? Se, por exemplo, for dado um cartão presente, como é que este deverá funcionar?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal e contabilístico das ofertas a clientes e trabalhadores.
No caso em apreço a entidade pretende oferecer (garrafas de vinho, chocolates, canetas) a clientes especiais e oferecer aos trabalhadores cabazes de Natal ou valor em numerário.
Ofertas a clientes
Em termos de IVA, a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA (CIVA) equipara a transmissões de bens a título oneroso e consequentemente sujeitas a imposto: «... ressalvado o disposto no artigo 25.º, a afetação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto...».
Não obstante, determina o n.º 7 do citado normativo que «... excluem-se do regime estabelecido na alínea f) do n.º 3, nos termos definidos por portaria do Ministro das Finanças, os bens não destinados a posterior comercialização que, pelas suas características, ou pelo tamanho ou formato diferentes do produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostra, apresentar ou promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a € 50 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais...».
A Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, vem regulamentar o n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, estabelecendo no n.º 2 do artigo 3.º que, nos casos em que a oferta é constituída por um conjunto de bens, o valor de 50 euros aplica-se a esse conjunto e não a cada bem individualmente.
Se a oferta excede estes limites e, caso tenha havido a dedução total ou parcial do IVA que onerou os bens oferecidos, podem colocar-se duas hipóteses:
- Regularização a favor do Estado do imposto que foi deduzido (quando tal for possível);
- Liquidação de imposto que recairá sobre o valor atribuído à oferta.
O IVA liquidado nesta operação não é de repercussão obrigatória, nos termos do n.º 3 do artigo 37.º do CIVA, sendo o mais comum ser a própria empresa a proceder à respetiva liquidação e pagamento em documento interno, pelo que na fatura a emitir essas ofertas poderão ir com valor zero, no total do valor a pagar.
No entanto, terá de proceder à liquidação do IVA (por exemplo através de um documento interno), relevá-lo na contabilidade e na declaração periódica, nos respetivos campos, como se de uma venda se tratasse.
Caso não tenha havido dedução do imposto suportado a montante, nos bens oferecidos, também não haverá obrigação de regularizar ou liquidar qualquer imposto a favor do Estado, mesmo que seja ultrapassado o valor de 50 euros.
No caso de a "oferta" ser tributada (o valor ultrapassa os 50 euros), e já ter deduzido IVA na sua aquisição ou produção, determina o artigo 16.º, n.º 2, alínea b), que o valor tributável será o preço de aquisição dos bens ou de bens similares, ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações.
Em termos de IRC temos que, reconhecendo-se que no desenvolvimento da atividade da empresa em causa que é normal e habitual que se efetuem ofertas de bens aos clientes, e estando tais gastos devidamente documentados significa que serão gastos aceites fiscalmente.
Os encargos suportados pela empresa relativos às ofertas a clientes, contabilizados como gastos do período, são considerados como dedutíveis ao lucro tributável, desde que visem obter ou garantir a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, conforme previsto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC (vide os números 1, 3 e 4 do artigo 23.º do CIRC).
A comprovação de que estas ofertas visam obter ou garantir a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC deve ser analisada casuisticamente, através da situação em concreto de cada empresa e do setor de atividade onde se insere.
Por exemplo, se for prática do mercado, a oferta de bens aos clientes para promoção das vendas das empresas, pode considerar-se que existe o cumprimento de requisitos para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.
No entanto, tal situação carece de comprovação objetiva, podendo-se pôr em causa este cumprimento na sua falta. O CIRC não estabelece qualquer limite de valor para as ofertas serem consideradas como gasto fiscal, havendo, contudo, necessidade de existir razoabilidade sob pena de tal não cumprir o requisito do artigo 23.º do CIRC.
Em termos contabilísticos, somos do entendimento que a entidade deve contabilizar em contas apropriadas as amostras e as ofertas, registando separadamente os bens que constituem existências próprias (conta 6884 - Ofertas e amostras de inventários) e aqueles que sejam adquiridos a terceiros (conta 6234 - Artigos para oferta). Assim, se a entidade adquire artigos para oferecer deve classificar na conta 6234 - Artigos para oferta por contrapartida a crédito da conta 2211 - Fornecedores c/c. Caso a entidade esteja a oferecer artigos dos seus inventários, deve debitar a conta 6884 - Artigos e amostras de inventários por contrapartida da conta 38x - Regularizações de inventários.
Ofertas a trabalhadores
Em sede de IVA, o n.º 1 do artigo 3.º do CIVA define, como regra geral, que as transferências onerosas de bens, em que exista alteração do exercício do direito de propriedade, são consideradas transmissões de bens para efeitos de IVA.
O artigo 1.º do CIVA estabelece que as transmissões de bens, tal como definidas no artigo 3.º, estão sujeitas a imposto, sendo esse imposto devido e exigível, ao Estado, quando os bens são postos à disposição, conforme disposto no n.º 1 do artigo 7.º do mesmo Código.
Em complemento a esta regra geral, o n.º 3 do artigo 3.º do CIVA refere outras realidades jurídicas distintas das transferências onerosas que são assimiladas a transmissão de bens, entre as quais se destaca a alínea f), onde se inclui a afetação dos bens a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, desde que tenha havido dedução total ou parcial do imposto na aquisição destes bens agora transmitidos.
Assim, quando os sujeitos passivos não tenham deduzido (total ou parcialmente) o imposto suportado a montante dos bens cuja transmissão realizar-se-á gratuitamente, estas operações, não consistindo numa transmissão de bens nem sendo uma operação assimilada, estão fora do âmbito de incidência do imposto, não sendo, portanto, tributadas em IVA. A respeito da oferta a colaboradores de pacotes constituídos por bens de características diferentes, a Autoridade Tributária e Aduaneira, já se pronunciou, através do Processo: n.º 13 854, por despacho de 2018-07-16, da diretora de serviços do IVA, (por subdelegação), pelo que aconselhamos a sua leitura.
Em termos de imposto sobre o rendimento, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS (CIRS), constituem rendimento do trabalho dependente as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica.
As ofertas em espécie e em dinheiro, nomeadamente através de cabaz Natal (prenda de Natal), concedidas aos funcionários, constituem uma vantagem económica para os trabalhadores, decorrente do facto de serem trabalhadores daquela empresa o que se irá, certamente, refletir num bem-estar destes trabalhadores o que se irá também refletir no seu desempenho laboral.
Dessa forma, esses cabazes de Natal ou valor em numerário concedidos aos funcionários deverão ser considerados como rendimentos de trabalho dependente (categoria A de IRS).
Os rendimentos em espécie estão excecionados da obrigação de retenção na fonte prevista no artigo 99.º do CIRS, sendo apenas englobados na declaração de rendimentos a entregar ao trabalhador e na declaração modelo 10.
Estes rendimentos em espécie (cabazes de Natal), sendo tributados em IRS na categoria A na esfera dos trabalhadores, serão gastos fiscalmente dedutíveis em sede de IRC, para efeitos do apuramento do lucro tributável da empresa, pois serão considerados como remunerações, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC (CIRC).
Relativamente ao código a incluir na declaração mensal de remunerações, atendendo às alterações promovidas pela Portaria n.º 30-A/2019, de 23 de janeiro, tal rendimento deverá declarado no código A - Rendimentos do trabalho dependente sujeitos.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º do CIRS, a entidade patronal está obrigada a entregar ao trabalhador, até 20 de janeiro de cada ano, documento comprovativo das importâncias devidas no ano anterior, incluindo os rendimentos em espécie que lhes hajam sido atribuídos.
Os benefícios dos trabalhadores que configurem rendimentos de trabalho dependente na esfera deste, são, na esfera da entidade patronal um gasto com o pessoal, dedutível para efeitos de determinação do resultado tributável, na medida em que se insere na alínea d) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.
Em sede de IRC, estas ofertas são consideradas como gastos fiscais desde que cumpram as condições do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC. Não há uma resposta taxativa, devendo cada oferta ser analisada casuisticamente. Neste contexto, somos do entendimento que os cheques oferta e os cabazes de Natal oferecidos aos funcionários poderão ser fiscalmente dedutíveis, na medida em que constituem rendimentos tributáveis em IRS na esfera desses trabalhadores.
De referir ainda que partindo do princípio de que são indispensáveis à realização dos rendimentos, os mesmos são aceites como gastos, na totalidade nos termos do artigo 23.º do CIRC. Em sede de IRC, não existe a aplicação de qualquer limite.
Chamamos particular atenção que a empresa deve documentar as ofertas, nomeadamente, identificando sempre o beneficiário. De facto, se não for possível conhecer as pessoas às quais foram atribuídos os citados cheques oferta, além da não aceitação fiscal do gasto (porque não é conhecido o destino dado, torna-se impossível fazer prova do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC), tais encargos podem assumir-se como despesas não documentadas ficando sujeitas a tributação autónoma (taxa de 50 ou 60 por cento caso existam prejuízos fiscais).
Importa ainda referir que não existe, em sede de IRC ou de IRS, qualquer limitação ao valor das ofertas para efeitos do seu reconhecimento fiscal como custos do exercício, o qual depende, conforme antes referimos, da comprovação do respetivo carácter de indispensabilidade.
Em sede de Segurança Social, de acordo com o artigo 46.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, Lei n.º 110/2009, para efeitos de delimitação da base de incidência contributiva consideram-se remunerações as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho.
O n.º 2 do artigo 46.º do Código Contributivo (CC) determina quais as prestações do trabalho dependente estão sujeitas a contribuições para a Segurança Social.
Assim, integram a base de incidência contributiva, designadamente, as seguintes prestações: «a) A remuneração base, em dinheiro ou em espécie; (...)».
Em termos contabilísticos as ofertas aos trabalhadores devem ser contabilizadas como gasto com o pessoal, ou seja, débito de uma subconta da conta 63x - Gastos com o pessoal.